Achamos que estamos falando de política. Mas estamos falando de humanidade

Todos os dias, ao abrir as redes sociais, ao ouvir uma conversa, ao assistir a um noticiário, temos a sensação de que estamos cercados por política. Mas a verdade é outra: o que está em crise não é apenas a política – é a humanidade.
Vivemos tempos de extremos. De certezas absolutas. De posicionamentos tão radicais que qualquer tentativa de diálogo se transforma em duelo. Não há espaço para nuances, para escuta, para humildade diante da complexidade. Ou você está “certo”, ou está “cancelado”.
E nessa disputa, esquecemos do essencial: ser humano antes de ser opinião. Seja da direita, da esquerda ou do centro, o que temos visto é um crescimento do egocentrismo ideológico — onde a busca por representatividade, espaço ou direitos (por mais legítima que seja) acaba se misturando a um discurso cada vez mais autocentrado, que já não reconhece o outro como parte do mesmo todo.

A luta virou performance. A empatia virou slogan.
E o bem coletivo se tornou pano de fundo para ações que servem ao próprio interesse — muitas vezes de forma inconsciente, mas profundamente destrutiva.Enquanto bradamos por liberdade, justiça ou verdade, seguimos sustentando com nosso comportamento cotidiano os mesmos poderes que criticamos.

Aos poucos, nos tornamos massa de manobra da nossa própria incapacidade de reconhecer o outro. Achamos que estamos lutando por um mundo melhor. Mas às vezes, só estamos alimentando nossos próprios filtros de confirmação. Achamos que estamos defendendo ideias. Mas estamos atacando pessoas. Achamos que estamos evoluindo. Mas talvez estejamos apenas nos tornando mais sofisticados na arte de nos destruir. E tudo isso, em nome de “política”. Extremismos que matam!
O mais grave é quando esses extremos deixam o campo das palavras e se transformam em ações violentas. Quando a ideologia desumaniza. Quando a bandeira vale mais do que a vida. Quando a certeza de estar certo justifica o fim do outro — física, moral ou psicologicamente.
Casos recentes, de diferentes partes do mundo, mostram como posicionamentos políticos radicais estão tirando vidas reais. Seja por discursos de ódio, perseguições, ataques ou até mesmo assassinatos.Isso não é política. Isso é a falência moral de uma sociedade que perdeu o senso de humanidade.

Vivemos também a era da cultura do espetáculo:
– Indignações encenadas, discursos performáticos, lacração ensaiada, solidariedade exibida.
– Tudo é público. Tudo é midiático. Tudo é manipulável.
– Mas quase nada é real.

Política é (também) comportamento. E comportamento é humanidade. Achamos que a política vive no Congresso, nos partidos, nas campanhas. Mas a política começa no café da manhã. Na forma como tratamos quem pensa diferente. Na honestidade das nossas intenções. Na capacidade de ouvir sem humilhar. Na escolha de não alimentar o ódio com curtidas.
A humanidade nunca esteve tão desumanizada como agora. E talvez, mais do que um novo partido, uma nova bandeira ou uma nova eleição, o que precisamos mesmo é de uma nova consciência sobre o que significa viver em sociedade. Porque no fim das contas, o mundo que estamos tentando mudar é feito pelas mesmas mãos que hoje o sustentam. Inclusive, as nossas.

Edição 244

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