O Abismo da Era Digital

No livro “Cem Anos de Solidão”, o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez preconizava que o mundo embarcaria em um período de solidão. Ele estava certo. Estamos cada vez mais nos sentindo sós. Teses reforçadas dizem que os sites de relacionamentos diminuem a solidão social, mas aumentam a solidão emocional, evidenciando o chamado paradoxo da internet. É como se os participantes estivessem sempre rodeados por pessoas, mas não pudessem contar com nenhuma delas. O sociólogo Robert Weiss define solidão como o sentimento de vazio e de inquietação causados por falta de relacionamentos profundos.

A Era da Razão teve início na Europa Ocidental no fim do século XVII, com duração de cem anos. A supremacia da razão humana moveu os homens a submeterem todas as idéias a uma prova racional a fim de saber se eram dignas de aceitação. Esse racionalismo objetivo alicerçou-se devido ao desenvolvimento do conhecimento filosófico e científico. A razão passou a desdenhar da fé, exigindo, como no caso de Tomé, credibilidade somente nas coisas que pudessem ser tocadas.
O economista Peter Drucker, em seu livro “Sociedade Pós-capitalista”, escreve que a Era do Capitalismo se esvai para dar lugar a Era do Conhecimento. Friedrich Nietzsche disse que o fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos; lutam e destroem sem saber bem a razão religiosa da sua luta, é o caso do Estado Islâmico. O capitalismo não trouxe paz à humanidade, o conhecimento ensinou os homens a se destruírem mutuamente. Isolados e escondidos dentro de uma concha de segurança, nesta Era do Medo, estamos sendo levados à Era da Solidão.

A realidade aumentada, lançada como novidade no Pokémon, busca a interação de um elemento virtual com o mundo real. A Era do Entretenimento virtual está transformando o nosso sentimento num jogo contínuo que faz do próximo um adversário constante no tabuleiro real da existência. Difícil se faz para a nossa compreensão entender as mudanças pelas quais passa o mundo com sucessivas revoluções tecnológicas.

No livro “”A Máquina Parou”, obra futurista do autor britânico E.M. Forster (1879-1970), em que ele, num exercício premonitório, antecipa tecnologias como as ligações por vídeo, a aviação comercial e a comunicação via internet – isso tudo na Inglaterra vitoriana, em 1909. Forster sai de sua zona de conforto realista para imaginar um mundo futuro em que as pessoas não saem mais de casa, confinadas em meio a apetrechos tecnológicos. Todos conversam apenas à distância, por meio de hologramas e chamadas de vídeo. Nesse mundo regido pela “Máquina”, quase uma entidade divina – tanto que o seu manual de instruções se tornou uma espécie de livro sagrado após a abolição das religiões -, um misto de internet das coisas, inteligência artificial e rede social onipresente que intermedeia todas as experiências humanas. E esse planeta absolutamente racionalizado torna-se homogêneo: “Pouca gente viajava naqueles dias já que, graças à ciência, a Terra era exatamente igual por toda parte. Os relacionamentos inesperados nos quais a civilização havia depositado tantas esperanças no passado, tinham desaparecido.”

Perdeu-se o prazer romântico das viagens turísticas em busca de conhecer o mundo desigual repleto de surpresas mil, só restou o pragmatismo. O Diabo padroniza, Deus personaliza. Forster narra a história de Vashti, uma mulher que vive feliz e conformada em seu quarto hexagonal conectada a milhares de outras pessoas, até que seu filho, Kuno, rebelde nato que vive do outro lado do mundo, pede um encontro com ela. “Quero conversar com você, mas não através desta Máquina irritante.” A atitude herética dele a deixa chocada: “Você não deve dizer nada contra a Máquina.” Kuno constata que a Máquina esta apresentando “defeitos”, mas ninguém quer ouvi-lo. Tão acostumadas a serem mimadas pela tecnologia, as pessoas simplesmente se conformam aos problemas que ela lhes impõem “O tempo passou e as pessoas não mais percebiam o “defeito”. As falhas não haviam sido sanadas, mas os tecidos humanos, naqueles dias, tornaram-se tão subservientes que se adaptavam com rapidez aos caprichos da Máquina”.

Edição 244

Clique na capa para ler a revista

O que deseja pesquisar?