segunda-feira, 7 outubro, 2024
A fé atrelada ao poder

Em nossa Constituição de 1891 foi promulgado o princípio da separação entre o Estado e a Igreja; no entanto, a República que libertou a religião da servidão do Estado não conseguiu romper o namoro interesseiro de poder entre ambos.
José de S. Martins, sociólogo e professor da USP, em seu artigo “Fé no Poder” menciona o ciclo de aliciamento eleitoral nas denominações religiosas em época de eleição, quando existe uma vergonhosa barganha, dos lideres religiosos com os candidatos políticos, dos votos de suas ovelhas por favores financeiros em prol da igreja ou por cargos de interesse próprio. No final de suas considerações, ele faz uma crítica contundente àqueles lideres que oferecem o púlpito das suas igrejas, como se fosse palanque eleitoral, aos candidatos que, fingindo religiosidade, esperam receber os votos de cabresto dos fieis encurralados pelo poder dos mandatários da igreja, atrelando a fé ao poder.
Em eleições passadas, como candidato evangélico, tive conhecimento de fatos, e mesmo vivência de alguns casos, que vieram a denegrir a fé e o testemunho de muitos que dizem ser religiosos. Num caso em que desejei visitar uma igreja fui barrado na porta do templo pelo pastor que não permitiu que eu falasse ao auditório, porque os 1200 membros já tinham o voto comprometido com o indicado pelo dirigente. Outro sacerdote, por telefone, disse que tal vereador havia dado as telhas para cobrir o templo e a igreja estava compromissada de votar nele todas as vezes que fosse candidato. Em outro templo, após falar aos fiéis, cruzei no corredor com o poderoso chefão recém-chegado daquela denominação, ele dirigiu-se ao púlpito e de modo arrogante e deseducado disse eu ser boa gente mas que se lembrassem que o candidato da igreja era fulano de tal. Ainda, teve um pastor, líder pentecostal, falastrão, que por me achar um candidato evangélico “forte” prometeu me apoiar, e disse que tal dia eu deveria chegar ao final do culto da sua igreja. Fui. Ele se aproximou de mim e falou baixinho, como em segredo ao meu ouvido: “32 votos eu te garanto.”
Num outro templo o número do candidato da igreja estava bem destacado na parede detrás do púlpito. Os vendilhões do templo, hoje, não se satisfazem em vender, pelo valor das ofertas, saúde e prosperidade; pela ambição desmedida de poder, em época eleitoral, negociam, também, com políticos, sejam da Igreja ou não, os votos das ovelhas em troca das mordomias e riquezas do mundo. Se o conteúdo dos políticos fosse tão bom quanto à qualidade e à quantidade das virtudes, das boas intenções, anunciadas na embalagem da propaganda de cada um deles eu votaria “em todos”.
Nunca a classe política de nosso país esteve tão desprestigiada como nos tempos atuais. Essa mesmice de estratégia eleitoral, ajustada às exigências dessa época midiática da imagem, nos apresenta uma galeria de fotos dos candidatos na TV sem nenhuma expressão verbal, amordaçados pela tirania do tempo. Outros mais privilegiados, apesar do tempo exíguo, conseguem espaço para incriminar o adversário ou para se promover com mil promessas que não serão cumpridas.
O Tribunal Superior Eleitoral precisa urgentemente promulgar leis restritivas, além das que existem em relação aos crimes eleitorais, para aqueles que desejam, sem possuir o devido preparo e, lógico, ficha limpa, candidatar-se a cargos políticos. Resultado dessas escolhas mal conduzidas se vê no Congresso, onde essas nulidades espertas se locupletam, com apadrinhamentos e favorecimentos vergonhosos, no interesse de mamar nas tetas da nação o leitinho do nepotismo e do enriquecimento ilícito.
O senador Jefferson Peres, um pouco antes da sua morte por infarto do miocárdio, em 23-05-2008, fez esse pronunciamento chocante perante o Senado: “Este Congresso que está aqui é o pior de que participei. A maioria é medíocre e de baixa moral. Depois de 2010, não quero mais. Podem eleger Fernandinho Beira Mar para presidente, mas não com o meu voto”. Com ele foi enterrada boa parte do que ainda restava da dignidade da classe política deste país.

Dr. Mauro Jordão é médico ginecologista.

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