Infância à venda? O dever da família em proteger a imagem das crianças

Ao nascer, muitas crianças já têm perfis em redes sociais criados por seus próprios pais. Fotos e vídeos são publicados desde os primeiros dias de vida, como se fosse natural abrir a intimidade de alguém que sequer pode consentir. Mas a infância não é palco. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura a inviolabilidade da imagem e da privacidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reforça: a criança é sujeito de direitos, não objeto de exibição.
O artigo 227 da Constituição é ainda mais claro: cabe à família, à sociedade e ao Estado colocar crianças e adolescentes a salvo de negligência, exploração e violência. Isso inclui protegê-los do uso indevido de suas imagens. Já a Lei Geral de Proteção de Dados determina que qualquer tratamento de dados de crianças deve observar o melhor interesse delas. Em outras palavras: nem os pais podem autorizar algo que coloque os filhos em risco.

Crianças não são mercadorias
Na cultura atual, expor filhos muitas vezes se confunde com exibir bens de consumo. O filho aparece como vitrine de roupas, brinquedos, viagens e conquistas. Mas essa mercantilização da infância reduz seres humanos em desenvolvimento a objetos de validação social. As consequências são sérias. Em 2025, a SaferNet Brasil registrou que 64% das denúncias online envolviam abuso ou exploração sexual infantil. Fotos e vídeos publicados sem cautela podem ser desviados para contextos criminosos. Não se trata de alarmismo, mas de realidade: cada postagem é também uma porta aberta para riscos.

Os limites da autorização dos pais
É comum ouvir: “mas eu sou o pai, eu posso autorizar”. A legislação responde: não, não pode — ao menos não quando isso fere o interesse da criança. O poder familiar existe para proteger, não para expor. A jurisprudência já consolidou que autorização genérica não vale e que até plataformas digitais têm o dever de remover conteúdos que atentem contra crianças, mesmo sem ordem judicial. A regra é simples: prevalece sempre o melhor interesse da criança.

Quando a sociedade só reage sob pressão
O caso recente do influenciador Hytalo Santos, preso preventivamente em agosto de 2025 por suspeita de tráfico humano, exploração sexual e trabalho infantil nas redes, é um alerta. As investigações estavam em curso desde o ano anterior, mas só ganharam força após a repercussão gerada pelo também influenciador Felca, que trouxe o tema à tona e mobilizou a opinião pública. Esse episódio revela uma dura realidade: muitas vezes, só reagimos quando a pressão social explode. Pais autorizaram a exposição de seus filhos em contextos abusivos — algo que a lei não permite, ainda que eles quisessem. Crianças não podem ser reduzidas a moeda de troca ou ferramenta de engajamento.

Um chamado à responsabilidade
Infância não é vitrine nem mercadoria. Cada criança tem direito ao anonimato, à proteção e à construção da própria identidade longe das pressões digitais. Cabe às famílias resguardar esse direito – mesmo quando isso significa resistir à tentação de postar tudo. Proteger a imagem de uma criança é proteger o seu futuro. É entender que amor não é mostrar ao mundo, mas cuidar com presença, consciência e limites.
A sociedade precisa amadurecer na forma como enxerga a infância. Não basta alimentar, educar ou dar oportunidades: é preciso também proteger a dignidade dos pequenos. Isso é dever da família, mas também da coletividade. Crianças não podem ser “propriedades” a serviço do ego dos adultos. São sujeitos de direitos, e a nossa responsabilidade é garantir que cresçam como tais -livres, respeitados e protegidos.

Edição 244

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