sexta-feira, 26 julho, 2024
Olho clínico

A inteligência artificial (IA) artificial avança célere, sem cerimônia e invade territórios sagrados. A Medicina não escapa. A Big Data na saúde encheu os computadores com grande volume de informações de artigos científicos modelando diagnósticos do mundo real. Por haver observado o comportamento real dos médicos esse personagem virtual chamado Google anda de braços dados com os profissionais da saúde. Hoje, já temos no consultório dupla ocupação: o médico de carne e osso, e outro, virtual, o computador.
Claudio de Moura Castro, M.A. PHD, pesquisador em Educação compara o médico da atualidade com os investigadores fictícios do romance policial, lançado em fevereiro de 1887, Sherlock Holmes e seu auxiliar inseparável, Dr. Watson. Nos tempos atuais Thomas Watson foi presidente da IBM e transformou a empresa de mecanografia no gigante da informática. Por mérito seu nome foi dado ao programa de IA da empresa. Então, vamos chamar o computador de Watson, e chamemos de Sherlock o médico vivo que está na mesma sala de consulta. Os dois, virtual e real, têm de dialogar e entender-se bem. Na prática, Sherlock não se deve meter onde são mais frágeis as suas qualificações, porém agir com sabedoria nos espaços em que o Dr. Watson é ignorante.
O médico do futuro terá de conhecer bem a lógica e os algoritmos do Dr. Watson, senão sua obsolescência acontecerá em tempo recorde. Watson tem a memória ilimitada da IA e tem arquivado tudo o que se publica nas revistas médicas e os protocolos de tratamento dos livros usados nos cursos de Medicina. Em conhecimento não dá para competir com o “Dr. Watson”.
Felizmente o mercado de trabalho do médico não está perigando, o “Dr. Sherlock” em atuação tem ampla superioridade, pois é ele que decide, em seu julgamento, quando delega o diagnóstico para o “Dr. Watson” e quando irá agir pela sua cabeça. Watson é limitado quando algo que não foi sistematizado, definido e escrito foge do seu alcance. Esse algo Sherlock tem, o chamado “olho clínico”.
Hoje, ocupando a mesma sala do consultório temos o médico de carne e osso, e o virtual, o computador. Usando da imaginação foi dado o nome de Sherlock ao médico real e para o virtual Watson. Sendo máquina, Dr. Watson não tem sentimento, revela de modo frio aquilo que está gravado. No entanto, o Dr. Sherlock é gente, e para definir seu espaço operacional precisa do pensamento, da percepção e da intuição. Fruto da experiência cotidiana que acumulou sabe que os pacientes são semelhantes, não iguais, em seus sintomas e sinais, e que o organismo e a mente de cada um deles, perante a mesma doença, podem ter variedade na resposta funcional e emocional quando em tratamento. O diagnóstico pelo “olho clínico” não tem formulação explícita, não há como descrevê-lo com palavras ou números.
Paira no meio do caminho, entre o paciente e a clareza da teoria. Dr. Sherlock pode duvidar também dos dados rígidos do Dr. Watson na questão dos exames e do diagnóstico. A dosagem saiu com a vírgula no lugar errado? O computador Dr. Watson não capta o engano. Mas o Dr. Sherlock, bom clínico investigador, fareja logo que algo não está certo. Lembro-me de um professor que dizia: “Se o exame do laboratório não bate com o diagnóstico clínico, jogue o exame no lixo”.
O rápido desenvolvimento tecnológico e científico da medicina encheu o Dr. Watson de conhecimento, porém, afastou do corpo do paciente o toque de mãos do Dr. Sherlock em sua busca do diagnóstico. Alguém disse: “Quem toca a pele toca a alma”. É verdade! O ser humano está vivendo uma onda de carência afetiva, o esfriamento do amor nos distancia e causa a maioria dos transtornos mentais. Quando em consulta o cliente se sente mais confortável quando vê no médico, ao mesmo tempo, o conhecimento do Dr. Watson e o olho clínico do Dr. Sherlock cheio de apreço pelo que você revela em consulta.

Dr. Mauro Jordão é médico ginecologista.

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